domingo, 3 de agosto de 2014

O amor me envelheceu – sobre as marcas que o amor deixou

O reflexo no espelho do banheiro, invariavelmente, não é mais o mesmo. Vejo olheiras embaixo dos olhos fruto das inúmeras noites mal dormidas, pés de galinha que contam mais histórias do que os sertões de Guimarães e rugas escondidas aqui, ali, acolá, das vezes que as frustrações me pegaram desprevenida esboçando um sorriso que terminou flácido num vinco de adeus. Os cabelos antes volumosos e sedosos caíram-se aos montes, como restos de orvalho entristecidos com a chegada repentina do veraneio. Até o brilho no olhar é diferente, parece um destes vagalumes travessos que teve sua luz roubada em uma (ou várias) destas travessias sombrias que o coração da gente parece querer peregrinar. O fato é que hoje vejo muito pouco, daquele tanto que já existiu um dia. O amor que tanto me engrandece, me envelheceu.
De repente, a bagagem carregada com tamanho cuidado e esforço do lado de dentro ficou evidente do lado de fora também. As pessoas agora conseguem notar a imensidão do caminho que foi percorrido e a profundidade das cicatrizes que fizeram morada nesta essência ao longo dos anos. O corpo que atualmente desperta a retina do outro, conta uma história diferente daquele de outrora quando o amor era inocentemente tão somente amor, sem “mas”, “poréns”, “todavias” e “entretantos”. A reciprocidade se tornou levemente arredia perante as inúmeras possibilidades de amor e o semblante antes florido como um jardim de primavera estampa uma desconfiança singela, típica das crianças quando se arriscam a descobrir o primeiro passo.
A experiência ou maturidade trouxe consigo o preço minimalista do desapego. Não mais é preciso buscar esconderijo atrás de uma máscara de falso contentamento e permissividade uma vez que, o coração já castigado com doses nada homeopáticas de descaso entende que está tudo bem em mostrar quem se é de verdade. Aliás, aquela cicatriz nada atraente que muitas vezes é encoberta com camadas extras de base e sorrisos automáticos, pode ser uma dessas singelas delicadezas da alma da gente que engrandecem nossa vivência sob o olhar amoroso do outro. Quem tem um animal ferido dentro de casa sabe que a melhor forma de destituir um sofrimento é abraçar aquela dor e deixar que o tempo faça a sua mágica, até que o momento se esgote definitivamente. Passar por um turbilhão de relacionamentos, pessoas, sentimentos e ainda assim chegar emocionalmente inteira no próximo instante é mais do que sinônimo de coragem, é aquela cerejinha do bolo que te faz ser diferente de todo mundo que desistiu do amor no meio da travessia.
O amor que tanto me engrandece, me envelheceu. Mas, inacreditavelmente, me sinto mais plena do que nunca. O amor acumulou seus percalços em cada pequena fresta que o sentimento deixou aberta ao pedir passagem e o resultado deste preenchimento foi uma alma aprimorada e resiliente, que encontrou nos destroços, os pedaços de si que faltavam para completar o quebra-cabeça deste enigma chamado amadurecer. Porque o que nos torna bonitos, elegantes e desejados é justamente aquela metade avariada que a gente tenta esconder. Eu, me sinto cada dia mais linda. Espero que vocês também. Aquela ruguinha boba no canto esquerdo da boca se apruma toda num sorriso cada vez que meu coração consegue abrir as portas para amar novamente. A idade tem dessas ternuras que talvez a gente só consiga sentir com total exatidão quando chega lá. E olha que acaso (ou sorte), a minha ruguinha combina perfeitamente com as bolsas insones que ele carrega debaixo dos olhos. Bagagem boa é aquela que a gente carrega de mãos dadas. Que a gente continue se encontrando nestas marcas que o amor vai deixando pelo caminho, porque se do lado de fora a gente transparece vivência, do lado de dentro fica cada dia mais próximo da eterna juventude.

Danielle Daian
Postado por Paula Lopes

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